sexta-feira, 28 de março de 2014

Relato #1




Hoje completo duas semanas de aula na Cathetus de São Paulo, uma escola bilíngue elitista na zona Sul da capital. Sempre soube que deixar Moçambique seria complicado, mas está sendo pior do que eu imaginava. Acostumar-se a essa nova cultura é um longo processo que envolve duas partes: a adaptação que parte de mim, e a dos outros em relação a minha cultura.

Na minha antiga escola eu fazia parte de uma maioria negra. Porém, chegando aqui, logo percebi que a situação era outra: passei a ser a única aluna de pele escura. Comecei a me sentir indesejada, e acredito não ser coisa da minha cabeça. Assim que entrei na escola, os cochichos indesejáveis e os apelidos pejorativos começaram. É decepcionante chegar de coração aberto para uma nova cultura e ser recebida dessa forma.

         Sempre tratei os outros de maneira polida, portanto espero respeito vindo de todos. Logo, percebi que esse sentimento não seria recíproco por parte dos alunos. Esperei, então, receber esse respeito e acolhimento dos professores, e... Adivinhem só! Mais uma surpresa desagradável! Semana passada, tentei entregar um trabalho após o prazo. É errado, eu sei. O professor não aceitou. Hoje, porém, percebi que outros alunos tentaram entregar tal trabalho, com mais de uma semana de atraso, e o professor os recebeu com um sorriso no rosto, alegando que problemas acontecem. É como se, só porque ele ocupa essa posição de poder, pensa que pode tratar os outros como bem entender. Ninguém aqui tem mais ou menos credibilidade, então por que a preferência? Somos – ou deveríamos ser – vistos de maneira igual, não? Queria acreditar que a minha cor de pele não havia interferido nessa decisão. Mas, se ainda restavam dúvidas, todas foram eliminadas após esse acontecimento.

         Para completar, durante outra aula, a professora pediu que nós realizássemos uma lição de casa virtual. Mal completou a frase e virou-se para mim, anunciando que a multimídia da escola estava disponível, caso eu não houvesse recursos para realizar a tarefa em casa. Impossível eu ter sido a única a interpretar essa atitude como um exemplo de discriminação racial. Ou seja, por ser negra eu não teria dinheiro suficiente para comprar um computador. Entendo que a economia capitalista brasileira implica uma diferença entre classes sociais, mas não será a cor de pele o fator determinante.
 
         Enfim, a mudança está sendo difícil, mas não perdi as esperanças. Estou disposta a me abrir a uma nova rotina, novas pessoas e maneiras de pensar, mas não posso estar sozinha nessa. É um trabalho que não se realiza sozinho: preciso também dos outros para ultrapassar essa fronteira.
Beijos,
Naya